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quinta-feira, 29 de março de 2018

A Escolha do Jorge: "O Meu Amor Absoluto"


“(…) Há uma parte do meu ser à qual tu jamais chegarás.” (p. 231)

É comum ao escolhermos cada livro que lemos que seja um livro que venhamos a apreciar tanto no que concerne à narrativa no geral, como também do ponto de vista literário. Seja qual for o género de livro que se segue na nossa lista de leituras, é comum criarmos alguma ou mesmo muita expectativa com o livro que temos em mãos, mais não seja o factor de motivação do momento que nos faz levar a leitura a bom porto.
      Há livros, no entanto, que pelas diversas razões ficam aquém daquilo que esperamos, talvez pela ideia que criámos em função de opiniões recolhidas previamente ou, em certos casos, quando alguns livros são alvo de uma forte campanha publicitária.
      Parecendo quase uma contradição, esta rubrica, no blog, que sugere livros que leio e que
recomendo, esta semana apresenta-se como o oposto, na sequência da recente leitura de “O Meu Amor Absoluto” de Gabriel Tallent.
      Tivesse a obra menos 150 a 200 páginas, conseguiria ao menos tratar-se de um livro razoavelmente conseguido, caso o autor centrasse a sua atenção na relação incestuosa entre o pai e a sua filha, mas acabou por se dispersar, integrando outros personagens cuja articulação está mal concebida, caindo em frequentes absurdos e contradições, tornando a narrativa em algo fútil e, não raras vezes, inverosímil, e até absurdo.
      A dimensão psicológica da personagem principal, uma adolescente de 14 anos, está bem construída, assim como os seus dilemas face à ideia de culpa, mas também de revolta, na sequência da sua relação imposta pelo seu progenitor. O círculo vicioso desta relação proibida apresenta-se, contudo, bem delineado. Há de facto material e um caminho seguro através dos quais Gabriel Tallent poderia ter trilhado, porém, acabou por conceber uma narrativa que chega a tornar-se enfadonha. Mesmo quando a narrativa atinge o pico da resolução, o autor ainda nos “presenteia” com mais trinta páginas de um inferno entediante e sem sentido, não trazendo nada de novo à narrativa.
      Gabriel Tallent tinha os ingredientes necessários para criar uma boa história assente numa escrita apelativa dados os seus recursos, porém acabou por conceber uma obra monstuosa que se engoliu a si mesma. “O Meu Amor Absoluto” é um dos exemplos em que escrever muito não é necessariamente sinónimo de conceber um bom livro. Mais, questiono-me como é possível ler, por exemplo, na contracapa do livro, rasgados elogios quando estamos perante um verdadeiro flop literário que também recentemente conheceu a sua edição portuguesa e que é vendido como gato por lebre.

Partilho aqui uma das passagens fulcrais da obra, talvez a mais importante e emblemática:

"Turtle deita-se nessa noite no chão do seu quarto, queixo posto nas mãos, a olhar para o lume do seu candeeiro a óleo, pés a fazerem festas um ao outro, enquanto pensa, ele voltou e foi-se tudo embora. Todos os sonhos com a rapariga que poderias ser. Desapareceram. Sempre achaste que a culpa era dele. Mas querias que ele voltasse. Também estás metida nisto. Foste em tempos uma criança, mas já não és, e aquilo que se poderia desculpar a uma criança não se te pode desculpar a ti. Deverias ter usado, pensa, a porra de um preservativo. Não sabe ao certo como funciona, mas a situação mudou. Se calhar a culpa foi sempre tua, pensa ela. Talvez tenhas algo em ti. Algo corrupto. Estavas a pedi-las ou querias. Claro que sim. Arrastaste-o para isto quando eras uma mera criança e a tua mãe percebeu e, ao perceber, matou-se, e agora ele não consegue fugir. Olha-te nos olhos e quer morrer.” (p. 248) 

Texto da autoria de Jorge Navarro

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