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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A Escolha do Jorge: Intimidade

"Esta é a noite mais triste, porque me vou embora e não volto mais. Amanhã de manhã, quando a mulher com quem vivo há seis anos for de bicicleta para o trabalho, e os nossos filhos estiverem a jogar à bola no parque, porei algumas coisas num saco de viagem, sairei discretamente de casa na esperança de que ninguém me veja, e apanharei o metro para o apartamento de Victor. Aí, e por tempo indeterminado, dormirei no chão do quarto minúsculo que ele gentilmente me ofereceu, ao lado da cozinha. Todas as manhãs guardarei o pequeno colchão de solteiro no armário. Arrumarei o edredão bafiento numa caixa. Colocarei as almofadas novamente no sofá-
Não regressarei a esta vida. Não posso." (p. 7)

É este o mote inicial de "Intimidade" de Hanif Kureishi (n. 1954) cuja narrativa em forma de diário vai conduzir o leitor ao longo de pouco mais de cem páginas. Entre pensamentos, devaneios de alma e desabafos, o personagem principal vestido sob a capa de narrador vai-nos apresentando as razões da sua decisão abrupta, radical se assim o entendermos, de abandonar a sua família, a saber, a esposa e os seus dois filhos.
Se por um lado o texto inicial poderá constituir uma estratégia para captar a atenção do leitor, por outro, rapidamente é confrontado com o oposto, na medida em que a narrativa, salvo alguns momentos interessantes e bem conseguidos, com passagens apelativas, acabou por fomentar alguma irritação em relação ao personagem principal.
Egoísmo, mediocridade e cobardia foram as palavras que mais frequentemente me vieram ao pensamento durante a leitura de "Intimidade". Um discurso centrado essencialmente na pessoa no personagem principal como sendo a vítima de toda uma situação que no fundo é ele próprio que não só não tem capacidade de gerir, mas também não é uma pessoa com quem se possa contar para o que quer que seja, quanto mais para estabelecer um relacionamento emocional e afetivo com outra pessoa. Os outros são a fonte inesgotável dos seus problemas e nunca ele próprio!
De um egoísmo esmagador, o personagem enaltece as suas relações extraconjugais recorrendo com frequência à descrição de atos de natureza sexual que não pelo tema em si mesmo, mas pela forma crua e despropositada e por vezes sem sentido acabam por se tornar passagens ou momentos de pouco ou nenhum interesse, sobretudo quando se compara este género de descrições com outras obras conseguidas de forma notável.
Se o objetivo for chocar ou agredir o leitor sem dó nem piedade não sei até que ponto o conseguirá concretizar na medida em que o desinteresse acaba por se instalar à medida que a narrativa avança. Provavelmente esta é daquelas obras cujo sentido não consegui alcançar.
O personagem principal abandona efetivamente o lar como está determinado em concretizar tendo em consideração o excerto inicial da obra. O que acontecerá a Susan quando regressar a casa? O que dirá Susan aos filhos perante esta situação totalmente inesperada? O que vai acontecer a esta família daqui para a frente? Como crescerão as crianças face ao abandono do pai cujo relacionamento de dependência é imenso? Estas questões ficarão por responder dado que a obra termina precisamente com a fuga do personagem principal. Se as questões que ficam no ar é o objetivo da obra, então aí sim, o autor terá alcançado o objetivo quando escreveu "Intimidade". Só tenho dúvidas até que ponto "Intimidade" constitua uma forma de trampolim para outras obras de Hanif Kureishi…

Texto elaborado por Jorge Navarro

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