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sexta-feira, 24 de julho de 2015

A Escolha do Jorge: Cavalo Pálido, Pálido Cavaleiro

Katherine Anne Porter (1890-1980) é um dos vulgos mais significativos da literatura do século XX
dos Estados Unidos tendo recebido inúmeros prémios como o Pulitzer Prize e o National Book Award. Ficando célebre com o romance "A Nave dos Loucos" (1962) que foi adaptado ao grande ecrã em 1965, a escritora distinguiu-se igualmente na arte do conto como a presente colectânea "Cavalo Pálido, Pálido Cavaleiro" que reúne três longos contos (ou novelas) escritos entre 1936 e 1939.
Partindo de contextos socioeconómicos que lhe são bem familiares, Katherine Anne Porter apresenta as narrativas nos estados do sul dos EUA de onde também é natural, caracterizando com grande fulgor essas mesmas regiões permitindo ao leitor visualizar com relativa facilidade os cenários descritos.
Em "Velha Mortalidade", a autora apresenta-nos as irmãs Maria e Miranda que vão crescendo na sombra de certas memórias e segredos de família, nomeadamente todas as histórias que se comentam em torno da sua falecida tia Amy, considerada uma bela mulher e que teve um fim trágico. Ao longo dos anos, as novas histórias excitam cada vez mais as duas irmãs à conta do "diz-que-diz" ou daquilo que é contado em jeito de secretismo. Se por um lado o mistério em torno da tia Amy deixa as irmãs entontecidas como que à espera de uma nova descoberta, por outro lado, à medida que a adolescência avança, Maria e Miranda compreendem que a sombra da tia Amy é um golpe demasiado pesado na medida em que todos os adultos da família referem frequentemente o facto de ninguém se assemelhar em beleza e em personalidade à tia Amy, tornando-a de alguma forma o mito da família. Cabe a Maria e a Miranda ajuizar, procurar o tom objetivo na sequência das inúmeras histórias que envolvem a tia Amy.
Miranda regressa ainda ao terceiro conto "Cavalo Pálido, Pálido Cavaleiro" que dá título a esta obra e agora já na pele de mulher adulta e em pleno delírio, fruto da gripe espanhola, causa da morte da personagem. O conto constitui uma forte crítica à política dos EUA durante a 1ª Guerra Mundial em que a par do ideal de patriotismo com os homens a participarem na guerra, longe de casa, na Europa, as mulheres veem-se compelidas a adquirir títulos, os Liberty Bonds, que ajudarão o país no esforço de guerra.
É em puro delírio que Miranda refere a dado momento: "Vamos animar as cantinas da retaguarda (…) para entreter os pobres heróis indefesos lá na Europa." (p. 219)
A oração em jeito de diálogo entre Miranda e Adam remete para o Livro do Apocalipse sendo a morte e a destruição os pontos nevrálgicos a ter em consideração tendo como símbolo o próprio cavaleiro da morte que todos ceifa e que foi tão bem representado em murais e livros durante a Idade Média, deixando, no entanto, uma ténue esperança face à Humanidade.
"- «Cavalo pálido, pálido cavaleiro» (…) «levou pra longe o meu amor…» (…).
- (…) O cavaleiro levou pra longe a mãezinha, o paizinho, o irmão, a irmã, a família inteira, além do amor…
- Mas não a pessoa que canta, ainda não (…). A morte deixa sempre um cantor para chorar os mortos. «Ó morte» (…) «Ó morte, deixa alguém que cante os mortos…». (p. 219)
O conto intermédio, "O Vinho do Meio-Dia" é dos três contos desta obra aquele que mais pontos tem em comum com os romances e contos de Flannery O’Connor com quem Katherine Anne Porter manteve correspondência. As quintas inóspitas e os seus habitantes com formas de estar e personalidades muito próprias, encontram palco neste conto para a construção de uma estranha amizade entre o sueco Mr. Helton que vindo do nada se oferece para trabalhar nas terras de Mr. Thompson revolucionando, em certa medida, toda a forma de estar dos habitantes da propriedade, tornando-a mais próspera. Passada quase uma década, a tragédia faz-se anunciar através da chegada de um outro estranho que em horas desfaz toda a base de confiança existente entre os donos da propriedade e Mr. Helton. A necessidade de Mr. Thompson em repetir os factos perante os vizinhos na tentativa de clarificar o passado e a sua reputação conduzem-no ao desespero.
A descrença na humanidade através da mentira, seja ela de cariz político ou simplesmente nas relações entre as pessoas no seu dia-a-dia, a guerra, ao mesmo tempo a solidariedade e a parca esperança são alguns dos temas centrais nestes contos de Katherine Anne Porter que deixarão por certo o leitor apaixonado mesmo com o cenário do cavaleiro da morte como pano de fundo nas três narrativas.

Texto da autoria de Jorge Navarro

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