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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A Escolha do Jorge: "O Exílio do Último Liberal"


“Naquele ano de 1832 erguiam-se forcas em Portugal e fábricas em Inglaterra”. (p. 9)


É este o mote de abertura do romance histórico “O Exílio do Último Liberal” de Sérgio Luís de Carvalho que nos traz uma história emocionante que tem como pano de fundo a guerra civil que opôs absolutistas apoiantes de D. Miguel a liberais que apoiavam D. Pedro IV.

É neste contexto que Salvador, um estudante de Medicina da Universidade de Coimbra se vê envolvido no grupo dos divodignos que em Condeixa prepararam uma cilada aos lentes da universidade que se dirigiam a Lisboa ao beija-mão de D. Miguel, após o seu regresso de Viena, confirmando, dessa forma, o apoio dado ao rei absolutista. Reconhecidos como criminosos, estes jovens foram alvo de encarniçada perseguição por parte do rei, embora o herói desta obra, Salvador, tenha conseguido fugir para Londres. Ainda que esta parte específica da história seja ficção, o certo é que um dos elementos dos divodignos nunca chegou a ser apanhado, o que torna a história bastante interessante.

Estala a guerra civil em Portugal e Salvador adia o seu regresso ao país natal por ser alvo de perseguição por parte das autoridades portuguesas, acabando por viver à margem da sociedade londrina até porque vivia na clandestinidade. Ainda assim e porque precisava de sobreviver, Salvador acaba por envolver-se em aventuras sem precedentes tornando-se um ressurrecionista ou dito por outras palavras, um ladrão de cadáveres de pessoas pobres cujos corpos eram entregues no Hospital São Tomás, em Londres, tornando-se um assistente de um médico anatomista que pretende desvendar os mistérios do corpo humano estando desta forma ao serviço da ciência.

É neste limbo entre o progresso que se assiste na Inglaterra e a guerra e a destruição que se vive em Portugal que Salvador vive momentos que são verdadeiras aventuras, como também situações de medo e de incerteza face ao seu futuro, interrogações que também coloca relativamente ao seu país.
Numa perspetiva profundamente humanista, Sérgio Luís de Carvalho uma vez mais agarra o leitor logo nas primeiras páginas envolvendo-o na narrativa como se fosse igualmente um personagem da obra, não esquecendo o facto de se tratar de uma obra extremamente visual e dinâmica.

Para os amantes de romances históricos, “O Segredo do Último Liberal” irá marcá-lo de uma forma indelével através da escrita emotiva e envolvente deste escritor. Para quem já leu outros títulos de Sérgio Luís de Carvalho vai certamente apaixonar-se por mais este livro!


Excertos:

“Naquele dia, Salvador mudava o penso a um carpinteiro que deixara que uma plaina lhe fizesse um lenho tão fundo na mão esquerda que só por milagre o polegar ficara inteiro, ainda que meio pendente e apenas unido à palma por uns farripos de nervo, pele e osso. Acabara por ter sorte, que sempre que era a mão esquerda e até se poderia voltar a trabalhar, pois coisa comum era virem parar ao Hospital de São Tomás operários, serventes e aprendizes sem um pé ou sem um olho ou sem um braço e que nunca mais seriam ninguém na vida por já não terem serventia para o meu ofício. O mais certo era acabarem a esmolar ou a fazer parte de um bando ou a terem de ir para um asilo, onde se amanhariam como pudessem para terem uma malga de sopa e uma cama ao fim do dia. Mas o progresso, já se sabe, é assim mesmo: sempre em frente e quem ficar para trás não é digno destes dias gloriosos em que Deus escolhe quem será bem-sucedido e quem fracassará, de acordo com as leis da predestinação e dos negócios.” (p. 217)


“Desesperados, os moços divodignos, reunidos no dia seguinte no número 13 da Rua do Loureiro, exaltavam-se e pranteavam ao ver os seus ideais tão reprimidos. As portadas fechadas das janelas ocultavam o seu desespero; as vozes baixas em que discutiam testemunhavam o seu temor. Salvador olhava os companheiros de fresca data e assustava-se ao constatar que todos eles tinham nos rostos aquela estranha mistura de excitação e medo que nunca nada de bom pode augurar. E quando souberam que daí a uns dias a própria universidade iria enviar a Lisboa uma delegação para participar no beija-mão a D. Miguel, mais ainda se irritaram os seus espíritos e se exaltaram os seus corpos. Teriam d e fazer alguma coisa para impedir tal intento, disseram. Fosse o que fosse, embora mal soubessem o quê… A altas horas da noite, decidiram por fim fazer uma emboscada à delegação que a dissuadisse de seguir para Lisboa e que servisse de prova aos absolutistas que, em Portugal, havia ainda gente livre a resistir e a opor-se ao regresso da velha ordem.” (pp. 281-282)
Texto da autoria de Jorge Navarro

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