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terça-feira, 25 de abril de 2017

A Convidada escolhe: “Escombros ” - (Missivas 2011-2016)

      “Escombros” está dividido em  três partes, embora, por agora, me tenha dedicado apenas a ler a terceira parte “Missivas, 2011-2016” por se relacionar com “A Amiga Genial”, a última e única obra que li desta autora italiana e que amei. É constituído por respostas dadas a dezassete jornalistas de diferentes países, sendo que não são entrevistas olhos nos olhos, mas sim, respostas dadas por email a perguntas que foram enviadas è escritora que, voluntariamente escolheu o anonimato. Numa dessas entrevistas a Isabel Lucas, publicada no “Ípsilon/Público” em Julho de 2015, à pergunta “Quem é a Elena Ferrante escritora? Como a definiria?” a autora responde: “Elena Ferrante? Treze letras, nem mais nem menos. A sua definição está toda contida nelas.” A singularidade desta opção de não se querer expor e recusar o mediatismo que acompanha a publicação e apresentação de livros, antes apenas através da sua obra, porque para ela a função de escritor resume-se à escrita: “nela nasce, nela se inventa e nela se esgota” tem sido alvo de muita controvérsia, de especulação e até, em finais de 2016 de uma “revelação” de um jornalista italiano que, aparentemente, desvendou o mistério… Mas isso que interessa?
      Ao longo destes cinco anos de missivas entre jornalistas e escritora, há perguntas que são recorrentes para além da questão da escolha do anonimato, a questão do género (porque há quem diga que o nome Elena Ferrante esconde não uma mulher, mas um homem!), a influência do feminismo na sua obra, tal como a sua formação clássica, os/as autores/as que influenciaram a sua escrita, a presença e a força de Nápoles e dos seus habitantes na sua obra. As diferentes respostas, mesmo quando muitas perguntas se repetem, ajudam-nos a aprofundar o pensamento e a personalidade de Elena Ferrante, uma autora para quem a autenticidade da escrita é fundamental, o que a leva a deitar fora folhas inteiras ou a não publicar livros a que dedicou muito tempo e energia porque, como ela afirma, pertence “à categoria daqueles que deitam fora a cópia perfeita e conservam o rascunho, se este garantir maior autenticidade.”
      Não querendo doutrinar com a sua escrita, nem através dela ser porta-voz de uma ideologia ou concepção do mundo, a verdade é que Elena Ferrante em muitas das suas respostas reflecte o apreço pelo feminismo e realça as conquistas das mulheres. “A história das mulheres nos últimos cem anos assenta no arriscadíssimo “passar os limites” impostos pelas culturas patriarcais. Os resultados são extraordinários em todos os campos. Mas a força com que querem fazer-nos regressar para dentro das velhas fronteiras não é menos extraordinária. Manifesta-se como violência pura e simples, bruta. Sanguinária. Mas também como afável ironia, por parte dos homens cultos que minimizam as nossas conquistas ou as aviltam.” ou “Amei e amo o feminismo pelo pensamento complexo que foi capaz de produzir, tanto na América como em Itália e em tantas partes do mundo.” “Sem o feminismo eu seria ainda como a rapariguinha cheia de cultura e subcultura masculina, que fazia passar por um livre pensamento meu. O feminismo ajudou-me a crescer. Mas hoje vejo e sinto que as novas gerações se riem disso. Não sabem que as nossas conquistas são muito recentes e, portanto, frágeis. Mas as mulheres sobre quem escrevi todas o sabem, à própria custa”. Preocupa-a a precariedade e volatilidade do momento presente, que continuamente põe em risco ou destroi aquilo que consideramos adquirido e estável. “As raparigas como as minhas filhas parecem estar convencidas de que a condição de liberdade que herdaram é um dado natural e não o resultado provisório de uma longa batalha ainda em curso, ao longo do qual tudo se pode perder de repente”.
      Por fim e haveria muito mais para escrever sobre estas respostas via email, Elena Ferrante revela que “A Amiga Genial” que era para ser um único e volumoso livro acabou por resultar numa longa tetralogia que, para Elena Ferrante poderá ser resumida da seguinte forma: o terceiro volume foi o mais difícil, o segundo o mais fácil e o primeiro e o quarto aqueles a que se dedicou sem se poupar, “misturando todos os dias prazer e dor, opacidade e nitidez. Amo-os muito por isso”.

Abril 2017
Almerinda Bento



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