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terça-feira, 24 de maio de 2016

A convidada escolhe: “A Noite não é Eterna”

É belíssima a capa e muito sugestivo o título deste livro, o último escrito por Ana Cristina Silva. A dimensão individual e colectiva do sofrimento de Nadia e da Roménia - ela com a perda do filho Drago e o povo romeno sob a ditadura de Ceausescu – fazem de Nadia e da Roménia os grandes sujeitos deste romance.
Exímia no tratamento dos sentimentos, a autora envolve o/a leitor/a no ambiente asfixiante, gélido e cinzento duma Bucareste onde se morre de
doença, de frio e de fome, em que as pessoas receiam a própria sombra porque a delação vem sem se saber de onde nem de quem, ou então caem no alheamento e indiferença como sentimento protector. A desumanização a que as pessoas são levadas pela violência do quotidiano e pelo desespero de um regime totalmente arbitrário impede qualquer laivo de solidariedade ou de compaixão, raramente quebradas.
A caracterização psicológica de Nadia é extremamente complexa. Ferida de morte pelo rapto de Drago de três anos pelo próprio marido, um ambicioso quadro do partido, Nadia pensa no suicídio, perde a vontade de viver e de viver para a filha, ao mesmo tempo que se culpabiliza por ser incapaz de sair da sua concha de desespero, finge, ganha forças e sujeita-se a tudo para procurar o filho algures num tenebroso orfanato onde há muito as crianças não são mais que seres famélicos e desprotegidos. O sentimento de perda de Drago leva-a a actos heróicos em que põe a sua segurança em risco, mas essa é a única forma que encontra de dar utilidade à sua vida e de minimizar o sentimento de culpa que tem pela irreparável perda do filho. A vontade de morrer e de matar o marido atormenta os seus dias e as noites que passa em claro, mas que nunca consegue concretizar, pois a vida é sempre mais forte do que a morte. O sentimento de dever para com o filho de quem só tem recordações e a imagem é acompanhado de uma culpabilização constante, que a impede de aceitar a possibilidade de sentir amor por outra pessoa ou sequer a possibilidade de suportar a ideia de ser feliz.
Mas o sonho de viver em liberdade, o sonho de que um dia a noite acabasse também chegaram para o povo romeno com a queda do ditador Ceausescu no dia de Natal de 1989. A euforia da liberdade, a festa de poder viver a luz do dia irromperam com a força de um sonho há muito aguardado. E para Nadia, seria possível voltar a amar, seria possível alguma vez voltar a ser feliz sem o sentimento de culpa pela perda de um filho? Nadia queria acreditar que agora se abria a possibilidade de um recomeço.

Almerinda Bento

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