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segunda-feira, 11 de abril de 2016

A Convidada Escolhe: Memórias da Rosa

"Memórias da Rosa" é um livro de memórias, quase íntimas e muito pessoais, escrito por Consuelo de Saint-Exupéry, mulher do Conde Antoine de Saint-Exupéry. Como todos sabemos Saint-Exupéry era além de escritor de grandes êxitos, piloto de profissão. Encontrava-se na Argentina a trabalhar como correio aéreo na altura em que conheceu Consuelo, natural de El Salvador, escultora e pintora, viúva recente do escritor e diplomata Enrique Gomez Carrillo. Ele tinha 30 anos, ela 29, apaixonaram-se e casaram em 1931.
Este livro tem revelações sobre a intimidade e a paixão incontrolada que unia o casal, desvendando o outro lado da personagem mítica que sempre tem sido o autor de O Principezinho, pelo que gerou à sua volta muita polémica.
O livro conta a relação desde o início até ao dia em que se despediram e em que Saint-Exupéry partiu para a misteriosa morte ( julho de 1944) em plena missão de voo na Segunda Guerra Mundial. Foi uma paixão intensa e um amor duradoiro, mas cheio de contradições. Uma vida em comum dramática, marcada por traições e reconciliações. Viveram em vários locais mas principalmente em França. A família aristocrata de Saint-Exupéry não facilitou em nada a vida de Consuelo, que também não foi muito bem aceite nos meios boémios parisienses dos anos 30, que tanto gostavam de frequentar. Ele era sempre o centro das atenções e ela era frequentemente marginalizada. Assim, muitas foram as vezes em que ficou em casa esperando enquanto o marido se divertia. Saint-Exupéry tanto quanto se pode depreender deste livro era uma criança grande, romântica e sonhadora, que gostava de ser o centro das atenções e de ser adulado. À sua volta sempre uma grande roda de amigos onde não faltavam as senhoras muito suas admiradoras. A esposa que ele sempre afirmava adorar deveria talvez desempenhar um papel a que Consuelo não conseguia adaptar-se inteiramente. Certas situações que se criavam causavam-lhe constrangimentos e até humilhações e as discussões e separações eram as consequências.
Nas suas memórias, Consuelo de Saint-Exupéry dá muito relevo às angústias e sofrimentos por que passou durante os longos períodos de espera pelo regresso de seu marido. Os voos e as missões constituíam um grande perigo naquela época. Também evoca com sofrimento as traições frequentes. Tão depressa moravam em casas como em hotéis. Muitas vezes separados, ela contentava-se com as visitas mais ou menos prolongadas do marido, até que Saint-Exupéry decidia que se juntavam. A vida deles era repleta de instantes de enorme felicidade intervalada de traições e separações cruéis, de noites de espera solitárias, e de reconciliações.
Mas o amor prevalecia sempre e Saint-Exupéry pedia desculpa e fazia mil e uma promessas que jamais cumpria. Era superior às suas forças.
As finanças tinham com frequência altos e baixos, pois ele era muito desorganizado com as despesas. Em casa deles reuniam-se sempre, os amigos aviadores e escritores. Depois do jantar jogavam às cartas ou xadrez. Só depois, até altas horas, ele escrevia. Não se coibia, então, já tarde, de chamar pela mulher e pedir-lhe que lhe fizesse ovos.
Por altura da ocupação da França pelos alemães estavam separados. Consuelo conta as privações e as angústias por que passou até o marido diligenciar a sua viagem para se juntar a ele em Nova Iorque onde ele levava a vida de sempre. Continuaram separados até que Saint-Exupéry incumbiu Consuelo de arranjar uma casa.
Estava-se em 1942. Na Bevin House a alguns quilómetros de Nova Iorque, viveram, então, tempos felizes e serenos. Quando estavam juntos, Consuelo sempre incentivava muito seu marido a escrever pois apreciava aquele ambiente familiar. Assim, enquanto cuidava dele, nascia "O Principezinho". Esta casa, segundo Consuelo, passou a chamar-se a Casa de "O Principezinho". Ali eram recebidos todos os seus amigos exilados como Ingrid Bergman, Jean Gabin, Greta Garbo, Charles Boyer, Marlene Dietrich, Jean Renoir, Denis de Rougemont e muitos outros.
Um dia despediram-se para sempre. Foi o fim de um casamento pouco comum e um tanto ou quanto lendário.
Ele era um aventureiro e as estrelas para ele eram a sua vida.
Consuelo escreveu as suas memórias mas nada foi publicado durante a sua vida. Seu herdeiro, José Martinez-Fructuoso, hesitou muito antes de decidir divulgar a existência do manuscrito. Por fim, entregou ao escritor francês Alain Vircondelet os baús usados por Consuelo na sua viagem de barco, aquando do seu regresso de Nova Iorque, onde se encontravam além do manuscrito, numerosos documentos, cartas que ela escrevia a Antoine de Saint-Exupéry e nunca enviava e cartas que Antoine escreveu nas quais ele reconhecia a grande importância que ela tinha em sua vida, desenhos esboçados pelo escritor, aguarelas, poemas, telegramas, enfim retalhos de uma vida em comum. Em 2000, passados 50 anos do regresso de Consuelo de Nova Iorque e por altura do 20º aniversário da sua morte e do centenário de Saint-Exupéry, este livro foi publicado com prefácio de Alain Vircondelet.
Gostei. Contudo, penso que deve saber-se separar, sempre, a obra criativa da vida real do criador.

Maria Fernanda Pinto

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