Gosta deste blog? Então siga-me...

Também estamos no Facebook e Twitter

domingo, 18 de outubro de 2015

Ao Domingo com... Hugo Ernano

Três e minutos e meio

Passaram anos e continuo a sonhar, de noite, com o que aconteceu. Uma, duas vezes por mês. Em alguns períodos acontece todas as semanas, noutras alturas não sonho com nada. São dois sonhos diferentes. Num desenrola-se tudo como naquele dia. Vejo-me como que a flutuar em cima do carro-patrulha e revejo a perseguição, muito devagar, quase em câmara lenta. Observo todos os movimentos e faço tudo igual ao que fiz naquele dia. Analiso meticulosamente se fiz bem ou mal, tento questionar se poderia ter feito de outra forma. O detalhe do sonho é tanto, que acordo exausto. E o desfecho é igual ao desfecho real, mas sinto sempre que não poderia ter actuado de outra maneira. Acordo quando a carrinha já está parada à entrada do Largo da Igreja e com ele nos meus braços. Exactamente como aconteceu.

Outras vezes, o sonho é completamente diferente. E muito pior. Revejo-me na perseguição e sei que tenho de travar a carrinha. Se não conseguir que ela pare, serei responsável pelo atropelamento de dezenas de crianças no largo. Vejo-me também de cima, como que a flutuar. Observo-me no carro-patrulha, a tentar fazer de tudo para
impedir o avanço da carrinha, mas o que tento não funciona. Quando disparo aos pneus, a arma encrava. Outras vezes, a arma até dispara, mas a bala sai sem força e vejo-a a cair, lentamente, à minha frente. Enquanto isso, a carrinha avança, progride e eu entro num desespero e numa incapacidade atrozes. Morre tanta gente. Vejo os cadáveres e sinto-me, impotente e incapaz. Falhei. Não consegui evitar as mortes. Acordo suado, sobressaltado. E não tenho vergonha de admitir que já acordei a chorar.

Quase nunca consigo voltar a adormecer. Às vezes a Daniela dá conta. Outras vezes levanto-me sem que ela acorde. Tranco-me na cozinha, abro a janela para apanhar ar. Já me aconteceu não conseguir respirar. Sei que faça o que fizer, isto vai acompanhar-me. E acompanhar-me-ia sempre, fosse qual fosse o desfecho da história. De certa forma, a minha vida parou naquele dia.

Esta é uma homenagem a todos os que me acompanharam neste percurso, desde 2008, e aos polícias que passaram, e ainda passam, pelo que eu passei e continuo a passar.

Hugo Ernano

4 comentários:

  1. Este será talvez oúnico livro do género que me interessa ler.
    Sinto imenso pelo drama deste homem...
    Boa semana querida Cris
    Teresa Carvalho

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Queremos acreditar que há Justiça, não é Teresa? Mas às vezes é dificil... Bj

      Eliminar
    2. Muito obrigado pela sua escolha e espero que goste...

      Eliminar
    3. Muito obrigado pela sua escolha, espero que goste

      Eliminar